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P�ginas da Se��o Narrativas
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A B�IA DE SINO

Carlos Henrique Brack  

          Primeiro-Tenente, servia eu no Navio-Hidrogr�fico CANOPUS. Trabalh�vamos em levantamentos para a confec��o da Carta 1400 (da foz do Rio Doce a S�o Jo�o da Barra), numa �rea de pouca navega��o. No meu quarto de servi�o foi colocado um marinheiro que exercia, no tijup�, as fun��es de vigia. Nada vigiava. Ao t�rmino do quarto, quando se apresentava no passadi�o ap�s ter passado o servi�o, invariavelmente eu perguntava:

          �Como �? Voc� n�o viu nenhum alvo?�

          �N�o senhor�   respondia ele. Sempre.

          Eu, ent�o, discorria sobre quantos alvos eu pr�prio havia detectado pelo visual. Repreendia-o, mas n�o se corrigia.

          Transcorrida uma semana, talvez duas, ao terminar um quarto de meia-noite �s quatro, todo debaixo de um aguaceiro terr�vel, o marujo, � minha pergunta, respondeu:

          �S� uma b�ia de sino, tenente. O navio passou pertinho dela.�

          �B�ia de sino, rapaz? Que hist�ria � essa?�

          ��, tenente; uma b�ia de sino. Badalava � be�a e passou pertinho do navio, aqui por bombordo.�

          �Bem,� repliquei sem entender direito. �Est� dispensado. V� dormir.�

          Fui at� � carta de navega��o, conferi nossa posi��o. Procurei uma b�ia de sino que talvez tivesse garrado, sei l�... Nada. Outras cartas, Roteiro, aviso aos navegantes. N�o havia b�ias de sino nas costas brasileiras.

          Passei o servi�o e desci para a pra�a d'armas. Estava fazendo um lanche, quando me deu o estalo.

          �Qual b�ia de sino, qual nada. Era um pescador!!!� Pass�ramos t�o perto de sua embarca��o que o homem, talvez sem lanterna, ou com o lampi�o estropiado pelo aguaceiro, badalou o sino, procurando chamar a aten��o do navio.

          Quando o sangue me voltou, eu estava uma fera. J� havia pedido ao Imediato que tirasse aquele homem de meu quarto de servi�o.

          Voltei ao passadi�o e lancei seu nome no Livro de Contraven��es. No dia seguinte, o Imediato transferiu o marujo para outro quarto.

Transcrito do livro Maria Japona e outras hist�rias,
(� venda na biblioteca do Clube Naval, e, na Papel Virtual ).
 

 

 
O MAR PORTUGU�S

Fernando Pessoa  


� mar salgado, quanto do teu sal
S�o l�grimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas m�es choraram,
Quantos filhos em v�o rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, � mar!


Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma n�o � pequena.
Quem quer passar al�m do Bojador
Tem que passar al�m da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele � que espelhou o c�u."
 

 

 
A BANDEIRA DE PIRATA

Gabriel de Almeida  

Primeiro-Tenente, servia eu no Navio-Hidrogr�fico JOS� BONIF�CIO, ao fim do levantamento de fim de curso de especializa��o de oficiais de 1959. Naveg�vamos na velocidade m�xima de 6 n�s, com destino ao Rio de Janeiro, em meio a uma tempestade, provocada pelo famoso vento "Carpinteiro da Praia". Est�vamos na costa do Rio Grande do Sul, ao entardecer, quase avistando o Farol do Cabo Santa Marta, onde o tempo parecia bom.

Apesar do forte vento e das imensas ondas, o navio corria com o tempo, de modo que as condi��es de conforto a bordo eram relativamente razo�veis. Por volta das 20 horas come�aram a chegar a bordo r�dios informando que o Rebocador Trit�o estava encontrando dificuldades em resgatar o pesqueiro japon�s "Tokai Maru", que havia encalhado a 21 milhas ao norte do porto de Rio Grande.

Pouco antes da meia noite chega a derradeira mensagem (operativa imediata) dando conta de que o Rb Trit�o havia tamb�m encalhado pr�ximo ao Tokai Maru e o NHi Jos� Bonif�cio, por ser o mais pr�ximo na �rea, deveria reverter o rumo, demandar com destino ao local do encalhe e aguardar futuras ordens.

Com uma velocidade m�xima de 6 n�s, o velho "Juca Bonif�cio" levou quase uma hora para reverter o rumo e o caos instalou-se a bordo, principalmente quando ficou com as ondas pelo trav�s. N�o houve peia que segurasse as porcelanas e outros objetos volantes, que n�o estavam em condi��o de detalhe especial para o mar.

Navegou-se toda a madrugada em dire��o ao sul, contando apenas com a navega��o estimada, pois os motores auxiliares do "Juca Bonif�cio" n�o produziam energia suficiente para o radar. Todavia, pouco antes do crep�sculo matutino, o vento subitamente parou e quando alvoreceu est�vamos mergulhados num denso nevoeiro e o �nico alvo vis�vel, para surpresa de todos, era um mercante a cerca de 5 milhas, pelo trav�s de boreste, inteiramente apagado.

Tentou-se comunica��o r�dio, em v�rias freq��ncias, morse por scot, e sinais por bandeiras mas nenhuma resposta foi obtida. Ignorando o mercante, o "Juca" seguiu em seu rumo ao sul. Acontece que, por ser o "Juca" um velho "Ita do Norte" (Ex-Itapema), constru�do em 1908, tinha uma peculiaridade em suas m�quinas alternativas a vapor: a cada 10 a 12 horas de navega��o, ca�a no por�o da m�quina uma tal de chaveta, que fixava uma das conectoras a um dos pist�es.
Ora era da m�quina de bombordo, ora era da m�quina de boreste.

Quando isto acontecia o navio come�ava a guinar para o mesmo bordo e a opera��o de recolocar a tal da chaveta no seu lugar levava um certo tempo. N�o compensava parar a m�quina do bordo que continuava a operar porque sen�o o atraso seria o dobro do tempo. Assim, era normal para o "Juca" ir fazendo opera��es de Butakoff (fainas de homem ao mar) ao longo da costa, ora por um bordo, ora por outro bordo. Era sua peculiar maneira de navegar.

Por volta das 8 horas da manh� aconteceu o inevit�vel: Por sorte, foi a m�quina de bombordo que parou e o "Juca" come�ou sua regular guinada para esse bordo, afastando-se assim do misterioso mercante. Qual n�o foi a nossa surpresa, quando percebemos que o mercante acompanhou o "Juca" em sua guinada para bombordo e reproduziu, ao largo, toda a opera��o de Butakoff do "Juca"

Percebemos ent�o que o mercante estava inteiramente perdido.
(A gente tamb�m estava, mas n�o t�o inteiramente).
O Comandante, ent�o, resolveu seguir at� a entrada do Porto do Rio Grande, no pressuposto de que o tempo melhorasse e o mercante pudesse assim se localizar e demandar seu destino.

De fato, o tempo limpou quase completamente e por volta de 11 horas da manh� podia-se avistar o farol da barra e a entrada dos molhes para o porto. Ap�s fazermos uma boa marca��o da nossa posi��o, revertemos o rumo para o Norte e come�amos a nos aproximar da costa (j� ent�o inteiramente por n�s conhecida devido ao levantamento rec�m-efetuado), para localizarmos o Rb Trit�o encalhado na praia.

Outra surpresa geral: O Mercante realizou a mesma manobra e come�ou a seguir nossa esteira rumo ao Norte. Nesta altura, o Comandante resolveu reduzir a velocidade, mantendo o "Juca" sob m�quinas e esperar que o insistente mercante se aproximasse, para conseguir identific�-lo e tentar uma comunica��o por megafone.

Tamb�m n�o adiantou! O mercante tamb�m parou e a dist�ncia (umas 3 milhas) n�o permitia nenhuma comunica��o a viva voz e n�o se conseguia ler seu nome nem ver sua bandeira.

Foi a�, ent�o, que o Imediato do "Juca", o saudoso Lauro Guaranys, sugeriu a gente se aproximar e tentar o megafone mas, "n�o sem antes i�ar uma bandeira de pirata", existente a bordo, fabricada pelo pessoal de sinaliza��o para uma festa no navio.

Finalmente, quando rumamos a toda for�a de nossos 6 n�s contra o estupefato mercante, pudemos verificar que se tratava de um de Bandeira Nacional de nome "Esito". Mas n�o precisou o megafone, pois quando est�vamos a cerca de 1 milha, o "Esito" deu meia volta e rumou rapidamente para a entrada do porto do Rio Grande e n�s pudemos retomar nosso rumo com destino ao local do encalhe do Rb Trit�o.
 

 

 
Navios

Lucimar Luciano de Oliveira   


Lembro das longas tardes debaixo de um c�u de luz,
o gosto de sal na boca, a proa livre, o vento sul,
e depois o meu navio fugindo, circunvagando
pelo mar desconhecido, em seus segredos e abismos.


A gente se desligava do cais, a dan�ar nas ondas,
como suspensos no tempo, ausentes de tudo e todos,
e por isso constru�a novas terras, novos mundos,
feitos de sonhos e imagens, agonias e esperan�as.


Era bom sentir o mar, beber-lhe as ondas ferozes,
mergulhar seguidamente em seu balan�o e caturro,
fazer a vida fluir, devagar, timidamente,
em �gua e c�u, noite e dia, de solid�o e saudade.


Mas hoje que estou aqui, nesta pedra, neste cais
e vejo ao longe o navio seguindo seu rumo afora,
como bem antes eu mesmo, quando parti tantas vezes,
me lembro que ali estive, nesse ber�o estranho e mudo...


Vejo a gaivota que o segue sobre a esteira borbulhante,
nesse risco de fuma�a subindo meu c�u de chumbo,
as nuvens feias da tarde, o mundo cinza e sem gra�a
e me pergunto por que minha alma est� t�o triste...


Quem sabe n�o seja apenas a falta que aqui me faz
esse mar misterioso que maltrata e fere e mata
mas que me deixa um vazio quando afinal vai-se embora
como um grande amor cigano que jamais a gente esquece!
 

 

 
PAULO MOREIRA, MARINHEIRO E CIENTISTA

Extra�do do livro "Minha Casa, Meu Cais"
Lucimar Luciano de Oliveira   

Estudioso da oceanografia, Paulo de Castro Moreira da Silva seguiu roteiro singular na Marinha. Aperfei�oara-se na Europa e granjeara fama no exterior, a partir do ano geof�sico internacional (1957/58).

Moreira era um cientista. Vivia mergulhado nos estudos de laborat�rio, no tra�ado de gr�ficos. Preparava relat�rios, orientava teses, desenvolvia linhas de pesquisa. Fazia confer�ncias, no porto, para autoridades e, no mar, para professores e alunos embarcados.

As palavras flu�am com clareza e simplicidade, explicitando conceitos cient�ficos e projetando-os � vida pr�tica. A coer�ncia e a lucidez de seu discurso chegavam a fascinar plat�ias dos mais diversos n�veis, de pescadores a chefes de Estado.

O Saldanha, adquirido pelo Brasil � Inglaterra, tinha sido um belo veleiro, chegado ao Rio em 1934. Depois de catorze viagens de instru��o de guardas-marinha, estava por ser desativado, desde 57. Usado em comiss�es menores at� 62, perdeu os quatro mastros e recebeu motor novo e laborat�rios em 64, incorporando um conjunto de equipamentos doados pela UNESCO.

Quando nele embarquei, em fevereiro de 65, fazia a viagem inaugural, depois de transformado. Uma longa viagem, que come�ara em dezembro, antes do Natal, seguindo para o Sul e, de l�, para o Nordeste e o Norte do Pa�s. Na volta dessa extensa comiss�o, fomos a Montevid�u. Trabalh�vamos no encontro das correntes do Brasil e das Malvinas.

A parada na capital uruguaia era um momento especial, prevista uma visita do Ministro da Marinha daquele pa�s ao navio. Moreira faria uma palestra para ele e sua comitiva, a bordo. O navio atracara no cais da Punta Siberia, onde soprava um vento muito frio. Estou de servi�o. No portal�, espera-se a chegada dos convidados. H� um per�odo de expectativa, enquanto n�o come�a a cerim�nia. Eu me aproximo do comandante, o homem de ci�ncia, tido como agn�stico, pensando fazer-lhe uma pergunta sobre a f�. Gostaria de saber se ele cr� em Deus. S� consigo dizer:

     "As pessoas muito inteligentes t�m uma grande responsabilidade diante de Deus..."

Moreira me olha meio espantado. Percebe a pergunta embutida, o desafio. Com aquele ar ir�nico, t�o peculiar, ele dispara:

     "As pessoas muito inteligentes t�m pacto com o dem�nio!"

No instante seguinte, o marinheiro de servi�o na proa avisa que a autoridade est� chegando.
 

 

 


Esta p�gina se destina � publica��o de hist�rias ocorridas na hidrografia

Atualiza��o em Abril/2000 por