Primeiro-Tenente, servia eu no Navio-Hidrogr�fico JOS� BONIF�CIO, ao
fim do levantamento de fim de curso de especializa��o de oficiais de 1959.
Naveg�vamos na velocidade m�xima de 6 n�s, com destino ao Rio de Janeiro, em meio a uma tempestade, provocada pelo famoso vento "Carpinteiro da Praia". Est�vamos na costa do Rio Grande do Sul, ao entardecer, quase avistando o Farol do Cabo Santa Marta, onde o tempo parecia bom.
Apesar do forte vento e das imensas ondas, o navio corria com o
tempo, de modo que as condi��es de conforto a bordo eram relativamente
razo�veis. Por volta das 20 horas come�aram a chegar a bordo r�dios
informando que o Rebocador Trit�o estava encontrando dificuldades em resgatar o pesqueiro japon�s "Tokai Maru", que havia encalhado a 21 milhas ao norte do porto de Rio Grande.
Pouco antes da meia noite chega a derradeira mensagem (operativa imediata)
dando conta de que o Rb Trit�o havia tamb�m encalhado pr�ximo ao Tokai Maru
e o NHi Jos� Bonif�cio, por ser o mais pr�ximo na �rea, deveria reverter
o rumo, demandar com destino ao local do encalhe e aguardar futuras ordens.
Com uma velocidade m�xima de 6 n�s, o velho "Juca Bonif�cio" levou quase
uma hora para reverter o rumo e o caos instalou-se a bordo, principalmente
quando ficou com as ondas pelo trav�s. N�o houve peia que segurasse as
porcelanas e outros objetos volantes, que n�o estavam em condi��o de
detalhe especial para o mar.
Navegou-se toda a madrugada em dire��o ao sul, contando apenas com
a navega��o estimada, pois os motores auxiliares do "Juca Bonif�cio"
n�o produziam energia suficiente para o radar. Todavia, pouco antes do
crep�sculo matutino, o vento subitamente parou e quando alvoreceu
est�vamos mergulhados num denso nevoeiro e o �nico alvo vis�vel,
para surpresa de todos, era um mercante a cerca de 5 milhas, pelo trav�s
de boreste, inteiramente apagado.
Tentou-se comunica��o r�dio, em v�rias freq��ncias, morse por scot,
e sinais por bandeiras mas nenhuma resposta foi obtida. Ignorando o
mercante, o "Juca" seguiu em seu rumo ao sul. Acontece que, por ser
o "Juca" um velho "Ita do Norte" (Ex-Itapema), constru�do em 1908,
tinha uma peculiaridade em suas m�quinas alternativas a vapor:
a cada 10 a 12 horas de navega��o, ca�a no por�o da m�quina uma tal
de chaveta, que fixava uma das conectoras a um dos pist�es.
Ora era da m�quina de bombordo, ora era da m�quina de boreste.
Quando isto acontecia o navio come�ava a guinar para o mesmo bordo
e a opera��o de recolocar a tal da chaveta no seu lugar levava um
certo tempo. N�o compensava parar a m�quina do bordo que continuava a operar porque sen�o o atraso seria o dobro do tempo.
Assim, era normal para o "Juca" ir fazendo opera��es de Butakoff
(fainas de homem ao mar) ao longo da costa, ora por um bordo, ora
por outro bordo. Era sua peculiar maneira de navegar.
Por volta das 8 horas da manh� aconteceu o inevit�vel: Por sorte,
foi a m�quina de bombordo que parou e o "Juca" come�ou sua regular
guinada para esse bordo, afastando-se assim do misterioso mercante.
Qual n�o foi a nossa surpresa, quando percebemos que o mercante
acompanhou o "Juca" em sua guinada para bombordo e reproduziu,
ao largo, toda a opera��o de Butakoff do "Juca"
Percebemos ent�o que o mercante estava inteiramente perdido.
(A gente tamb�m estava, mas n�o t�o inteiramente).
O Comandante, ent�o, resolveu seguir at� a entrada do Porto
do Rio Grande, no pressuposto de que o tempo melhorasse e o
mercante pudesse assim se localizar e demandar seu destino.
De fato, o tempo limpou quase completamente e por volta de 11 horas
da manh� podia-se avistar o farol da barra e a entrada dos
molhes para o porto. Ap�s fazermos uma boa marca��o da nossa posi��o,
revertemos o rumo para o Norte e come�amos a nos aproximar da costa (j�
ent�o inteiramente por n�s conhecida devido ao levantamento
rec�m-efetuado), para localizarmos o Rb Trit�o encalhado na praia.
Outra surpresa geral: O Mercante realizou a mesma manobra e come�ou a
seguir nossa esteira rumo ao Norte. Nesta altura, o Comandante resolveu
reduzir a velocidade, mantendo o "Juca" sob m�quinas e esperar que o
insistente mercante se aproximasse, para conseguir identific�-lo e
tentar uma comunica��o por megafone.
Tamb�m n�o adiantou! O mercante tamb�m parou e a dist�ncia (umas 3
milhas) n�o permitia nenhuma comunica��o a viva voz e n�o se
conseguia ler seu nome nem ver sua bandeira.
Foi a�, ent�o, que o Imediato do "Juca", o saudoso Lauro Guaranys, sugeriu a gente se aproximar e tentar o megafone mas, "n�o sem antes i�ar uma bandeira de pirata", existente a bordo, fabricada pelo pessoal de sinaliza��o para uma festa no navio.
Finalmente, quando rumamos a toda for�a de nossos 6 n�s contra o estupefato
mercante, pudemos verificar que se tratava de um de Bandeira
Nacional de nome "Esito". Mas n�o precisou o megafone, pois quando
est�vamos a cerca de 1 milha, o "Esito" deu meia volta e rumou rapidamente
para a entrada do porto do Rio Grande e n�s pudemos retomar nosso
rumo com destino ao local do encalhe do Rb Trit�o.